Mariana Iacono e Dinys Luciano
Introdução
A amamentação materna continua sendo uma prática amplamente incentivada na América Latina e no Caribe (ALC), devido aos seus reconhecidos benefícios nutricionais, imunológicos e de desenvolvimento infantil. No entanto, para as mulheres que vivem com HIV, essa prática envolve dilemas difíceis por causa do risco de transmissão do vírus para o bebê, das pressões sociais e familiares, do estigma e também dos impactos emocionais.
A literatura recente (2015-2024) inclui achados clínicos, sociais e culturais sobre amamentação e HIV que devem ser utilizados para informar políticas de saúde que protejam tanto o direito à saúde quanto os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
Evidência atual sobre risco e prática de amamentação em mulheres que vivem com HIV.
Estudos mostram que o risco de transmissão pós-parto do HIV é inferior a 1% quando a mãe está em tratamento antirretroviral (TARV) e mantém uma carga viral indetectável. Apesar desse dado, a maioria dos países da ALC recomenda a alimentação com fórmula, sem atualizar suas diretrizes à luz do princípio de I=I (indetectável = intransmissível). [1],[2]
Na ALC, a taxa média de amamentação exclusiva é de 37,3%, muito abaixo do objetivo de 50% estabelecido pela Assembleia Mundial da Saúde. [3] No entanto, não existem dados desagregados sobre amamentação, o que limita as decisões baseadas em evidências.
Fatores que influenciam as decisões de amamentação das mulheres que vivem com HIV
A decisão de amamentar ou não é influenciada por múltiplos fatores: desinformação, pressões familiares, violência doméstica, estigma institucional e orientação médica. Muitas mulheres desejam amamentar, particularmente quando entendem que o risco é baixo e supervisionado por médicos, mas enfrentam barreiras de informação e apoio. [4],[5],[6]
Além disso, os profissionais de saúde, em clínicas e hospitais, têm grande influência na decisão dessas mulheres. [7] Mesmo que muitas mulheres confiem nas orientações, há casos de pressão psicológica e falta de informação, o que pode afetar a autonomia das MVV.
Implicações emocionais da amamentação das mulheres que vivem com HIV [8],[9]
A amamentação, além de seus benefícios físicos, está profundamente associada à vivência emocional da maternidade. Para muitas mulheres, a impossibilidade de amamentar pode gerar sentimentos de culpa, sofrimento, frustração e desvalorização como mães. Em contextos onde amamentar é uma prática comum, não fazê isso pode gerar estigmatização ou suspeita sobre seu estado sorológico, aumentando o isolamento e o desconforto emocional dessas mulheres.
Por sua vez, algumas mulheres que decidem amamentar também experimentam ansiedade, medo da transmissão do vírus e conflitos com o pessoal médico. Isso indica a necessidade urgente de abordar a amamentação a partir de uma perspectiva integral, que inclua saúde mental, direitos humanos e acompanhamento psicossocial.
Recomendações para a América Latina e o Caribe
- Atualizar diretrizes nacionais sobre amamentação e HIV com base nas evidências mais recentes sobre TARV e carga viral indetectável, incluindo opções de amamentação supervisionada.
- Fortalecer a capacitação de profissionais de saúde para garantir que a abordagem com as mulheres que vivem com HIV seja feita sem pressões, com respeito à cultura das pessoas, sensível e atenta ao impacto emocional da amamentação.
- Incluir o acompanhamento psicossocial como parte essencial da atenção pré-natal e pós parto das mulheres que vivem com HIV abordando os sentimentos de culpa, ansiedade, estigmatização e depressão.
- Assegurar a participação das mulheres que vivem com HIV no desenho e implementação de políticas de alimentação infantil que respondam às suas necessidades, contextos e preferências.
- Incluir o parceiro e a família nos processos de orientação, promovendo ambientes de apoio respeitosos e alinhados com os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres que vivem com HIV.
- Produzir e detalhar dados sobre práticas de amamentação em mulheres vivendo com HIV na ALC, como base fundamental para o planejamento de serviços e políticas públicas.
As decisões sobre amamentação em mulheres com HIV devem deixar de se concentrar exclusivamente no risco clínico e passar para abordagens mais integrais que reconheçam o contexto emocional, social e legal. América Latina e o Caribe precisam de políticas mais inclusivas, sustentadas na evidência e nos direitos humanos, que permitam às mulheres vivendo com HIV exercerem uma maternidade digna, informada e segura.
Como citar este artigo: Mariana Iacono e Dinys Luciano. (2025). Lactância e mulheres que vivem com HIV na América Latina e no Caribe: Evidências, implicações emocionais e recomendações de política. Integrativa online DVCN.
Reconhecimento. A revisão de literatura na qual este artigo se baseia é parte do Estudo Regional sobre Amamentação e HIV na América Latina (2024-2025), realizado com o apoio do UNAIDS, UNICEF, UNFPA e OPAS.
Para mais informações:
Mariana Iacono, ICW Argentina (independencia008@gmail.com)
Dinys Luciano, Integrativa Online DVCN / Development Connections (lucianod@integrativa-online.com). https://integrativa-online.com